Maria Auxiliadora Roggério
O uso de smartphones e aparelhos eletrônicos portáteis pessoais tem crescido muito a cada ano. A importância desses dispositivos em nossas vidas pode ser traduzida como uma maior facilidade de acesso ao trabalho, aos estudos, ao lazer, às redes sociais e familiares, vídeos, notícias, pesquisas, comunicação interpessoal, mensagens instantâneas, compras, operações bancárias, entre outras.
No entanto, o uso excessivo e incontrolável pode desencadear o que vem sendo chamado de nomofobia (tradução para: Nomophobia – No Mobile Phone Phobia), uma condição de angústia causada pela dependência de uso do aparelho e representada pelo medo irracional de não poder usar plenamente o celular, por estar longe do aparelho ou sem cobertura de internet ou de carga na bateria.
Essa dependência tecnológica traz ansiedade, isolamento social ou depressão como consequências psicológicas mais comuns. Pode levar à tristeza excessiva e solidão. Fisicamente, pode causar problemas de sono, alterações na postura corporal, dores articulares, contraturas musculares, palpitações, dificuldades para respirar; a superexposição à tela pode causar dores de cabeça, problemas na visão, como desconforto nos olhos e doenças oftalmológicas, problemas no estômago.
Alguns sinais e sintomas que indicam o uso compulsivo do celular:
- sentir-se ansioso, impaciente quando imagina-se sem o celular ou irritar-se em demasia por tê-lo esquecido em algum local;
- medo de ficar sem carga na bateria, de não ter onde recarregar, sem acesso às informações ou situações que considera importantes;
- checar constantemente o conteúdo do celular, inclusive no meio da noite;
- distrair-se com jogos, mensagens, aplicativos e outros conteúdos que acabam prejudicando as relações profissionais, acadêmicas, sociais e/ou familiares;
- preferir evitar a interação presencial para poder ficar mais tempo ao celular, em conexões virtuais;
- manter o celular sempre por perto, mesmo quando vai dormir ou até no banheiro;
- olhar continuamente para a tela;
- dificuldade de concentração em tarefas rotineiras, em estudos ou no trabalho;
- passar muitas horas em redes sociais;
- desatenção ao dirigir veículos ou ao atravessar rua por estar usando o celular;
- sentir falta de ar, sudorese excessiva e tremores quando está sem o aparelho;
- imaginar que o celular está vibrando ou tocando;
- precisar cada vez de mais tempo de uso para tentar sentir o mesmo prazer.
Todos podem ser afetados por essa condição, que se instala influenciada por múltiplos fatores ambientais, comportamentais e biológicos. Pessoas com histórico de ansiedade, insegurança, baixa autoestima, dificuldade em manter relações sociais e dificuldade em lidar com situações estressantes parecem ser mais propensas a desenvolver essa dependência. A tendência é ocorrer mais entre adolescentes, por maior familiaridade com a tecnologia e frequência de uso do dispositivo, além da necessidade que têm de pertencimento e aceitação; quando muito dependentes dos outros, encontram nas redes sociais um meio de aproximação e presença.
Adolescentes são mais vulneráveis à dependência digital, pois sentem-se pressionados socialmente para estar sempre “on-line” e disponíveis. A constante interação através de likes, comentários e mensagens, incentiva o uso das redes sociais e cria uma necessidade de validação e conexão; acaba servindo como uma válvula de escape para lidar com situações entediantes e estressantes da vida real ou como um meio de proteção do mundo externo. A impulsividade e a falta de autocontrole podem aumentar a dependência.
Os impactos são mais graves em crianças, pois é o período em que o cérebro tem o crescimento mais intenso e a maior parte das conexões neurais são estabelecidas. Habilidades (como empatia, por exemplo) podem não se desenvolver, o que compromete os relacionamentos pessoais ao longo da vida; a luz azul da tela interfere na produção de melatonina, o hormônio do sono; irritam-se mais facilmente, ficam impacientes e impulsivas, com dificuldades para adiar recompensas. Os impactos negativos podem ser observados no desenvolvimento social e educacional.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras diretrizes, o tempo de tela recomendado poderia ser assim estipulado:
- de 0 a 2 anos de idade, não devem ser expostos a esse tipo de estímulos;
- de 2 a 5 anos de idade, máximo de uma hora/dia;
- de 6 a 10 anos de idade, reduzir para o mínimo possível (ou até duas horas/dia);
- de 11 a 18 anos de idade, até três horas por dia.
O uso deve sempre ser supervisionado por um adulto.
Até os 6 anos de idade, as crianças passam por momentos importantes no neurodesenvolvimento, com influência direta do ambiente. É a fase de interações sociais mais primordiais e de apresentação ao mundo, através de estímulos sensoriais como sons, cheiros, contatos visuais e troca de afetos. A exposição à tela nesse período pode dificultar a autorregulação, isto é, as crianças não conseguem lidar com diferentes estímulos e apresentam crises de raiva quando diante de frustrações. A criança tem que aprender a lidar com a frustração e autorregular-se emocionalmente.
A superexposição às telas na primeira infância não pode fazer parte de rituais para acalmar a criança ou para fazê-la alimentar-se ou para que “dê sossego” aos adultos. A interação nessa fase é, na maioria das vezes, uma interação passiva, sedentária e solitária.
O uso passivo de telas está associado a dificuldade de aprendizado, de linguagem e a disfunções executivas (capacidade de entender o ambiente, pensar abstratamente, reter na memória, planejar e executar uma tarefa).
As crianças e adolescentes que ficam conectados por muito tempo, inclusive antes de dormir, podem apresentar baixo rendimento escolar e problemas no comportamento, como mudanças de humor repentinas, aumentar isolamento social e agravar sintomas de depressão.
Visando proporcionar um ambiente mais favorável ao aprendizado e ao desenvolvimento saudável (físico, psíquico e mental) das crianças e adolescentes, foi criada a Lei nº 15.100/2025 em 13 de janeiro de 2025, que tem como objetivo restringir o uso de celulares e aparelhos eletrônicos portáteis pessoais em escolas públicas e privadas de educação básica. Estabelece, ainda, em seu artigo 4º, § 2º que: “Os estabelecimentos de ensino disponibilizarão espaços de escuta e de acolhimento para receberem estudantes ou funcionários que estejam em sofrimento psíquico e mental decorrentes principalmente do uso imoderado de telas e de nomofobia.” (www2.camara.leg.br)
Em adultos, os sintomas costumam ser menos intensos, gerando dificuldades nos relacionamentos, queda do rendimento do trabalho, alterações na postura corporal, afastamento social, podendo evoluir para síndrome do pânico, depressão.
A nomofobia pode estar relacionada a vários transtornos psiquiátricos, como transtornos ansiosos, depressivos, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ou transtorno bipolar. O uso excessivo do celular pode agravar os sintomas dessas doenças; por outro lado, esses transtornos aumentam a possibilidade de dependência digital.
A nomofobia também se relaciona a transtornos de adicção, como a dependência de jogos eletrônicos, por exemplo. Aplicativos de mensagens, notificações, vídeos, redes sociais ativam a liberação de dopamina, o hormônio do prazer, e estimulam o sistema de recompensa no cérebro, criando um ciclo de prazer e reforço, assim como se observa em outras dependências. Atividades que anteriormente geravam prazer, satisfação, são substituídas pelo smartphone que permite maior liberação de dopamina e, consequentemente, recompensas mais imediatas.
Como prevenir e tratar a nomofobia
A fim de evitar que se instale uma dependência extrema ou um transtorno maior, algumas medidas simples podem ser adotadas:
- silenciar notificações;
- desligar o celular durante as refeições e manter o aparelho longe do local;
- desinstalar aplicativos que ocupem muito de seu tempo;
- diminuir o tempo de uso e definir quantidade de horas para utilizá-lo;
- não recarregar a bateria dentro do quarto enquanto vai dormir, para evitar utilizá-lo nesse período;
- desligar o aparelho se estiver compartilhando um tempo de lazer;
- não consultar o celular enquanto estiver conversando presencialmente;
- não levar o celular nos momentos de passeio com pets, exercícios ao ar livre, ida a padaria etc.;
- praticar atividades de autocuidado, como exercícios físicos e meditação;
- buscar outros hobbies, esportes, danças, atividades ao ar livre.
Se notar que o uso de tecnologias digitais está causando prejuízos à sua saúde mental ou física, procure ajuda de profissionais para orientações individualizadas. O uso compulsivo do celular pode ser tratado com a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que permite identificar e ajudar a modificar padrões deletérios de pensamento e comportamento da pessoa em sofrimento. Além da mudança de hábitos, consulta com um psiquiatra pode ser necessária, para avaliar a necessidade de medicação para controlar a ansiedade ou outras doenças mentais que possam estar ligadas à nomofobia.