Maria Auxiliadora Roggério
Para que se pudesse homenagear e agradecer a dedicação e carinho que os avós têm para com os netos, foi criado o Dia dos Avós. A iniciativa surgiu nos anos 1980 em Portugal, por Dona Ana Elisa do Couto (1926-2009), natural da cidade de Penafiel, avó de quatro netas e dois netos, que se ressentia com o não reconhecimento do valor que os avós representam na família. 26 de julho foi a data escolhida em Portugal por remeter à celebração católica de Santa Ana e São Joaquim, pais de Maria e avós de Jesus, reconhecidos e celebrados pela Igreja.

No Brasil também é comemorado nessa data, mas outros países adotaram datas mais convenientes. Na França, por exemplo, o Dia das Vovós e o Dia dos Vovôs são comemorados no primeiro domingo de março e no primeiro domingo de outubro, respectivamente. O que denota o caráter civil e não religioso da data.
O Dia dos Avós é simbolicamente relevante para enaltecer a importância dos avós nas famílias e na sociedade. Esse laço de parentesco, essa relação entre avós e netos é conceituada como “Avosidade”. A vivência entre avós e netos é uma experiência que ultrapassa a relação de parentesco. A dinâmica familiar e o desenvolvimento dos netos englobam aspectos emocionais, sociais, culturais e simbólicos. É uma relação que pode beneficiar tanto avós quanto netos, por permitir a construção de laços intergeracionais e fortalecimento dos vínculos familiares, colaborar com a educação do neto e na formação de sua identidade através da transmissão de valores e experiências, na interação afetiva de carinho e de apoio que possibilitem a criação de um ambiente acolhedor e seguro para um desenvolvimento saudável. O estabelecimento de vínculo legal entre avós e netos sem relação biológica é chamado de avosidade socioafetiva.
Embora seja comum associar avós como pessoas idosas, tornar-se avó/avô é uma condição ligada ao nascimento de uma criança/neta(o) e independe da idade cronológica, haja vista que, em muitas famílias, já se encontram avós com idades em torno dos 40 anos. E, com o aumento da expectativa de vida, também a convivência intergeracional é observada, com a coabitação entre avós, filhos, netos e bisnetos.
O que acontece em cada família depende daquilo que foi transmitido de geração a geração. É a família que exerce a primeira transmissão intersubjetiva, representada pelos vínculos criados na relação mãe-bebê, na qual se organiza a estrutura psíquica. A vida psíquica é estruturada sobre o legado psíquico recebido da família ao nascer. Esse legado, em confronto com o Outro, vai nos constituindo como seres humanos e permitindo escrever nossa história de vida.
A história familiar, a estrutura psíquica, idade e gênero dos avós, contexto cultural, tipo de vínculo anterior com os filhos, entre outros fatores, vão gerar múltiplos tipos de avosidade que implicam em reorganização psíquica.
A avosidade e a longevidade podem repercutir positivamente nos sistemas individuais e familiares, mas também podem gerar situações conflituosas cujos efeitos negativos poderão ser sentidos por todos familiares especialmente por avós idosos que, em processo individual e social de envelhecimento, têm que lidar com as novas reconfigurações familiares, com as atribuições da avosidade e com as relações que se estabelecerão com netos pertencentes às gerações mais jovens.
Há alguns anos e em alguns lares, os avós desempenham papel principal na organização e manutenção da casa, assumindo responsabilidades parentais de seus netos, no cuidado destes para que os pais (ou mais comumente a mãe-solo) possam sair para o trabalho remunerado, ou financeiramente, dispondo seu benefício de aposentadoria no custeio das despesas com filhos e/ou netos.
Esse modelo de família ampliada que ultrapassa o modelo de família nuclear (pai/mãe/filhos(as)) evidencia a relevância da participação dos avós nas novas configurações familiares, mas não informam sobre o impacto que a carga horária do cuidado, a dimensão do cuidado exercem sobre os avós, se sobrecarregam sua saúde, se está sendo respeitado seu direito à independência e autonomia, qual participação gostariam de ter nas vidas de filhos e netos, se interferem em seu bem-estar social, se prejudicam sua qualidade de vida.
Pode surgir frustração ao constatar que seus projetos de vida precisarão ser alterados, sem perspectivas futuras, o que pode elevar o risco de estresse, levar a crises de ansiedade e depressão, impactando na saúde mental e nos relacionamentos cotidianos.
Os avós, idosos ou jovens, têm experiências individuais e socialmente diversas. O desenvolvimento de novas funções e papéis sociais advindos de uma maior convivência entre avós e netos podem produzir mais conhecimento, mais trocas afetivas e cuidado recíproco. Os sentimentos também serão diversos e podem refletir obrigação, satisfação, frustração, repulsa, acolhimento, entre outros, gerando novas relações de avosidade.
O Dia dos Avós trata de um tipo de relação humana que, apesar do simbolismo e da intencionalidade em sua criação, remete a uma relação desvirtuada em sua finalidade, assim como o Dia das Mães, entregue ao consumismo; mas não é tão significativo do ponto de vista comercial, por não representar uma data de peso para o varejo. Natal, Dia das Mães, dos Pais, dos Namorados, das crianças, por beneficiarem-se da proximidade do pagamento e décimo-terceiro salário são mais representativas para o comércio.
Os avós, pela importância participativa nas famílias e na sociedade, merecem reconhecimento desejado por Dona Ana Elisa. Esse reconhecimento pode estar no cotidiano, em pequenos gestos ou demonstrações de carinho, mas se for necessário um dia específico para isso, presentes podem ser válidos e bem recebidos, se essa for a forma encontrada.
Espero que outras datas pensadas para homenagear, tais como: dia dos filhos (5 de abril e 23 de setembro), dos tios e tias (21 de setembro), dos primos (26 de setembro), dos sobrinhos (10 de abril), dos netos (3 de maio), do irmão (5 de setembro), da família (15 de maio), dos padrinhos, dos afilhados, dos maridos, das esposas, das sogras, dos genros… não transformem mais relações humanas em relações comerciais.