Maria Auxiliadora Roggério
Quando um ano novo se inicia é difícil encontrar alguém que nunca tenha consultado o calendário em busca das datas comemorativas que reverenciam santos, relembram fatos históricos, homenageiam pessoas ilustres ou pessoas que fazem parte de seu convívio. Logo iniciam-se planos para festejar essas datas com viagens de lazer para fugir do estresse cotidiano ou para aproveitar os feriados prolongados visitando parentes queridos afastados pela distância.
Algumas datas, de tão desejadas ou tão festejadas acabam extrapolando seu sentido original, seja pela vontade de vivê-las com muita intensidade e prolongar os momentos de descontração, alegria ou felicidade, seja pela total entrega ao consumismo e apelo comercial que representam e a validação nas redes sociais.
Como o Carnaval, por exemplo: é um festival que acontece no calendário numa terça-feira de fevereiro ou de março, antecedendo o período da Quaresma, 47 dias antes da Páscoa. Mas, na prática, os festejos do Carnaval acontecem também, fora de época em inúmeras micaretas, antes e depois da terça-feira, inclusive, na quarta-feira de cinzas, desvirtuando o significado religioso desse período.
As festas juninas aconteciam para agradecer as boas colheitas e celebrar santos do mês de junho: São João Batista (dia 24), Santo Antônio (dia 13) e São Pedro (dia 29). As igrejas católicas, através de quermesses (que ainda acontecem), arrecadavam fundos para a manutenção das paróquias, projetos sociais e instituições de caridade. Escolas promovem festas juninas para a divulgação da cultura e arrecadação de fundos que se destinam às próprias atividades e a projetos de caridade.
No entanto, a tradição dessa festividade também vem sofrendo modificações. Em vez da celebração religiosa, as festas juninas surgem nas cidades como grandes eventos turísticos e comerciais, com competições entre cidades que pretendem, a cada ano, apresentar a maior festa, com rendimentos financeiros mais impactantes. Com a mesma intenção de ganho financeiro, surgiram as chamadas “festas julinas”, no mês seguinte.
Outros meses conseguem reunir datas que parecem competir entre si, como o mês de outubro: tem o dia das crianças que, aparentemente insuficiente, tornou-se semana e posteriormente mês das crianças; o dia do professor, “encapsulado” (infelizmente) na semana das crianças; o dia da pessoa idosa, já transformado em mês da pessoa idosa. O dia de Nossa Senhora Aparecida, a santa padroeira do Brasil, é uma comemoração religiosa que ocorre no dia 12 e atrai milhares de fiéis ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo. Esse dia é feriado nacional e coincide com o dia das crianças.

No mesmo mês em que se homenageia Nossa Senhora Aparecida, também se realiza a festa pagã do Dia das Bruxas (ou Halloween), no dia 31 de outubro. O Dia das Bruxas é uma tradição que cresce no Brasil, seguindo os moldes da festa tal como se apresenta nos EUA, com suas lanternas de abóbora, enfeites macabros e crianças fantasiadas de bruxas, de fantasmas, de monstros, batendo às portas das casas exigindo gostosuras (doces) ou ameaçando com travessuras.
No mesmo dia, o Brasil comemora o Dia do Saci, criado inicialmente por lei estadual, em São Paulo, em 04 de agosto de 2004, numa tentativa de prestigiar e divulgar o folclore nacional e em contraposição ao Dia das Bruxas e a supervalorização de elementos e tradições estrangeiros. A lei determina em seu artigo 1º : “Fica instituído o dia 31 de outubro como o “Dia do Saci”, destinado a eventos culturais, programas e celebrações que valorizem o folclore, a cultura e as tradições brasileiras.”.
As bruxas
Ao longo do tempo, as bruxas foram retratadas como mulheres de poder, admiradas e respeitadas pelo conhecimento da natureza. Eram profetisas, sacerdotisas e médiuns.
Durante o período de consolidação do cristianismo na Europa, a Igreja precisava impor sua crença para que fosse seguida. Exercia forte controle sobre as pessoas da sociedade, as quais atribuíam origem divina ou demoníaca a todos os fenômenos. O que não era sagrado, seria profano e, portanto, diabólico, maligno.
O conhecimento popular de ervas e plantas medicinais e a utilização destas em práticas curativas eram realizadas principalmente por mulheres comuns, as quais tentavam manter essa tradição, o que foi considerado ameaça pela Igreja, que passou a persegui-las sob a acusação de associação/pacto com o diabo, rotulando-as de bruxas. Objetos comuns àquela época como, caldeirão, vassoura, chapéu entre outros foram associados à bruxaria e proibidos pela Igreja. As bruxas eram mulheres comuns, acusadas de praticar atos de heresia que atentavam contra a Igreja.
O imaginário popular, influenciado pela literatura, cinema ou crenças diversas continua a associar bruxas a poções mágicas, feitiçarias, desgraças, caldeirões e vassouras. Assim, a imagem de mulheres feias e velhas, más, corcundas, com verruga no nariz, vestidas com roupas pretas surradas e chapéus pontiagudos, com suas vassouras enfeitiçadas, tão comuns em fantasias de Halloween, mas não correspondem à bruxa da época medieval nem às bruxas da época atual.
Os sacis
O Dia do Saci foi oficializado no estado de São Paulo através da lei nº 11.669/2004 e, em 2013, a Comissão de Educação e Cultura consolidou o dia 31 de outubro como o Dia do Saci no Brasil, através do projeto de lei nº 2479/2013. A Sociedade dos Observadores de Saci (SOSACI) sediada em São Luiz do Paraitinga, cidade do interior de São Paulo, que tem por princípios difundir e valorizar a tradição oral, a cultura popular e infantil, os mitos e as lendas brasileiras, promover a divulgação do saci em suas manifestações, colaborou com o projeto de lei.
A lenda do Saci (çaa cy perereg, no idioma tupi-guarani) surgiu na região sul do Brasil entre os índios guarani, provavelmente entre o final do século XVIII ou começo do século XIX. Espalhou-se por todo o território brasileiro e por países vizinhos, incorporando elementos regionais das diferentes culturas. Desse modo, cada região ou país tem um saci com características próprias de sua cultura.
Originalmente, o saci era um ser protetor das florestas. Em 1918, o escritor Monteiro Lobato publicou o livro: Sacy-pererê: o resultado de um inquérito, no qual sistematizou a lenda do saci, baseado em respostas de leitores do jornal O Estado de São Paulo que responderam a um inquérito sobre conhecimentos acerca do saci, em 1917.
O saci-pererê é um ser mítico e travesso, habitante das florestas. É negro, com cerca de meio metro de altura e apenas uma perna, com a qual consegue se locomover com muita rapidez. Não possui pelos corporais ou cabelos. Usa um gorro vermelho que lhe confere poderes sobrenaturais e tem o hábito de fumar cachimbo.
É protetor da natureza e dos animais e, para defendê-los, afasta os caçadores, com suas travessuras. Guardião das matas, protege ervas e plantas medicinais podendo utilizá-las em práticas de cura e confunde os que entram na mata sem permissão.
Pode controlar o vento, transformar-se em redemoinho e desaparecer no ar; sumir de um lugar e surgir em outro, sem ser notado. Pode usar seus poderes para assustar viajantes, desnorteando-os com um assobio estridente. Pode usar o redemoinho para assustar e confundir as pessoas, capturando-as. Segundo algumas interpretações, também teria a capacidade de alterar sua altura.
Por ser agitado e realizar muitas brincadeiras, no passado era mencionado como um moleque endiabrado. Gosta de pregar peças nas pessoas, espantar animais, apagar fogueiras e desorganizar objetos; de dar nós em crinas de cavalos, fazer objetos sumirem, queimar comidas, azedar leite, apagar fogo nas lareiras, trocar sal por açúcar, provocar redemoinhos para espalhar sujeiras e folhagens.
Para capturar o saci basta lançar uma peneira no meio do redemoinho e retirar o gorro de sua cabeça para que ele perca seus poderes mágicos.
As escolas promovem atividades como contação de histórias sobre o folclore brasileiro, em especial as que envolvem o saci, teatro, jogos, brincadeiras e oficinas de arte no Dia do Saci.
Algumas cidades realizam eventos em comemoração. A cidade de São Luiz do Paraitinga, por exemplo, promove a 23ª edição da Festa do Saci nos dias 24, 25, 26 e 31 de outubro e 1º de novembro de 2025, com o tema: “A peleja do Saci com o fantasma da IA”. A programação inclui eventos culturais, oficinas de arte e brincadeiras, atividades esportivas como corridas e ciclismo, apresentações musicais, festival gastronômico com pratos da culinária caipira e a celebração do Dia Nacional do Saci e seus Amigos.
Gostosuras e travessuras.